O Silêncio Estratégico

Ilustração mesa redonda

A crise se instala. O orçamento do projeto principal estourou, e a notícia cai como uma bomba na reunião de diretoria, ameaçando a rentabilidade do trimestre. A pressão na sala é esmagadora. Em resposta, um líder convoca a equipe e saca uma ferramenta clássica do arsenal da gestão:

“Pessoal, vamos aplicar os 5 Porquês para encontrar a causa-raiz disso.”

A intenção é nobre; a ferramenta, poderosa. A sala se prepara para o exercício analítico.

1- “Por que o orçamento estourou?”, pergunta o líder. “Porque o custo da matéria-prima X foi 30% maior que o previsto.”* A resposta é factual, limpa.

2- “E por que esse custo foi maior?” “Porque o pedido de compra foi feito em cima da hora. Tivemos que pagar o preço de urgência do fornecedor.”* A lógica ainda é puramente técnica, segura.

3- “Certo. E por que o pedido foi feito em cima da hora?” Um silêncio constrangedor preenche a sala. Os olhares se desviam, a linguagem corporal muda. Finalmente, alguém quebra a tensão: “Porque o departamento de engenharia demorou para liberar a especificação final.” Pronto. A investigação para ali. O “vilão” foi encontrado: o departamento de engenharia. A “ação corretiva” é definida rapidamente: uma “reunião de alinhamento” ou, talvez, “um novo treinamento sobre prazos internos”. O problema real, no entanto, foi varrido para debaixo do tapete. O que teria acontecido se a investigação continuasse? Se alguém tivesse tido a coragem de perguntar o quarto “Porquê”*?

4- “Por que a engenharia demorou para liberar a especificação?” A resposta poderia ser: “Porque a equipe de engenharia está sobrecarregada desde que dois membros foram demitidos e não foram substituídos.”

5- E então, o quinto e fatal “Porquê”: *“Por que os membros não foram substituídos?” “Porque a diretoria cortou o headcount do setor para bater a meta de redução de custos do trimestre.”

Aí reside a verdadeira causa-raiz. Não foi um erro operacional (o atraso da engenharia), mas uma decisão estratégica mal calibrada — um corte de custos sem análise de capacidade — que criou uma pressão insustentável no sistema. A questão central é: por que a equipe parou no terceiro “Porquê”? Porque apontar para a engenharia é desconfortável, mas aceitável. É um problema horizontal, entre departamentos.

Apontar para o corte de headcount é perigoso. É uma crítica vertical, direta à gestão sênior. O que faltou naquela sala não foi conhecimento técnico sobre a ferramenta. O que faltou foi um ambiente onde a franqueza é segura. Faltou a confiança fundamental de que os membros da equipe podem falar abertamente sobre erros, fazer perguntas difíceis ou expor falhas sistêmicas, sem que isso resulte em punição, humilhação ou constrangimento.

Não se trata de ser “legal” ou evitar conflitos. Trata-se de criar um ambiente robusto onde a verdade sobre o processo possa ser dita, sem que isso se transforme num ataque pessoal. Ferramentas da qualidade, como o PDCA ou os 5 Porquês, são motores analíticos projetados para encontrar a verdade. Elas funcionam à base de dados, fatos e honestidade. Mas esse motor só funciona em plena potência se houver um clima de confiança que o catalise.

Sem essa franqueza, o motor falha no exato momento em que a investigação começa a tocar em algo sensível: o ego de um líder, uma regra departamental ultrapassada ou uma decisão estratégica falha.
Quando isso acontece, a gestão da qualidade torna-se um exercício de conformidade, e não de transformação. As equipes preenchem formulários, fazem reuniões e apontam “causas” superficiais que nunca resolvem o problema de fato.

Elas apenas encontram um bode expiatório conveniente para que o sistema possa continuar exatamente como está. Com o tempo, a própria ferramenta se torna desacreditada. As pessoas param de acreditar na melhoria contínua porque percebem que o objetivo implícito não é resolver o problema, mas sim documentar o problema e culpar o elo mais fraco.

A eficácia de uma ferramenta, portanto, não está nela mesma, mas no ambiente em que é aplicada. Antes de perguntar “Por quê?” à equipe, o líder deve ter respondido a uma pergunta interna: “Nesta sala, a verdade é bem-vinda, mesmo que ela seja desconfortável?” Se a resposta for “não” ou “depende”, a busca pela causa-raiz já falhou antes mesmo de começar. A alta performance não é construída sobre bodes expiatórios; ela é construída sobre a coragem de encarar a verdade sistêmica, por mais inconveniente que ela seja.